terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Balada para meu destino (Sibar Machado)


À quinta a noite prenuncia o final de semana. Pensei que esse sentimento fosse apenas das grandes cidades cheias de movimento e luzes com suas fumaças nariz à dentro. Enganei-me. Aqui também o cheiro do final de semana já chega pela quinta. Acho que morar no interior já não se parece tanto com aquele de uns dez anos atrás. O interior tá virando cidade grande. Cada vez mais ele ensaia vestibular rumo a uma faculdade de violência com crimes ao lado de mais poluição e corre-corre sem tempo pra um almoço tranqüilo.
Começa a chegar novamente à hora de mudar-me para um interior menor ainda. Quem sabe um com apenas quatro fileiras de casas e uma diminuta pracinha com uma igreja em seu perímetro ao lado de um posto bancário avizinhado de um de saúde pegado com a padaria e a venda amontoada de quinquilharias mostrando sabão e q-boa junto ao pão e na prateleira abaixo o óleo de cozinha misturado com detefon cujo proprietário Seu Nequinha despachando com as mãos encardidas de unhas grandes e maltratadas fungando pra alguns que lhe devem mas sorrindo pra outros em dia com sua caderneta de nota.
Bem ao fundo da última rua ainda sem muito valor de lazer, o mar. O mar de serventia apenas pro lazer da meninada e peixe que vem do trabalho do pescador que inicia com a madrugada ainda com o sol escondido dando seus sinais quando a canoa foge pro mar levantando sua vela emendada de uma dezena de sacos de açúcar erguida por uma tensa corda de sisal sustentada por um mastro de imburana de cambão levando três a quatro pescadores. Adentro do mar vão com o sol nascendo e a pino chegam com o cassuá derramando pilombetas de escama batendo-se no xaréu que empurra o peixe galo encostado nas tainhas por cima da plana e larga arraia com o rabo enrolado na cavala juntinho das serras da mesma cor da pescadinha que é a parente pobre da pescada amarela e um ou outro caçonete esbanjando seus vorazes dentes deixando marcas em seus vizinhos com o pronto vaqueiro do mar de cuia na mão descartando água e baiacus juntamente com espadas diminutas, mas com seus dentes afiados enrolados na recolhida rede. Com as ondas quebrando e água nos joelhos os poucos compradores miram sua presa com os olhos e D. Antonia com a bacia na mão escolhe o almoço. Os trinta a quarenta ou sessenta e com um pouco de sorte uns cem quilos de peixe dão o destino às vilas vizinhas e a cada casa fogo aceso.
De feijão verde com farinha de mandioca e pimenta de cheiro ao lado do limão com o arroz branco e ensopado de serra com leite de coco e rodelas de tomate boiando juntamente com cebola branca e tempero verde: fartam-se. Refresco de murici e doce de abóbora encerram pro início da centenária sesta de bucho pra riba numa rede de tucum amarrada de um caibo a outro que sustenta as ripas e telhas. Três horas da tarde aponta na mesa um café preto com tapioca assada na pedra de torrar a farinha recheada de crueira de coco.
Já o café e janta a noite... Bem. Volto pra onde estou tramando em meu juízo como ter diariamente aquele desejoso destino descrito. Quem sabe um dia crio coragem e mudo-me pra um povoado assim onde a vida demora passar pelos meus olhos. Quem sabe assim vejo melhor meus filhos crescerem. Quem sabe assim tenho mais tempo pra mim e para a minha companheira aqui do meu lado e esqueço o tempo perdido pensando no corre-corre e na violência acompanhada da multa causada pelo trânsito infernal juntamente com a prestação vencida e na bomba que matou dez na estação de trem próximo à fila do banco adorado pelos vereadores e deputados amicíssimos dos senadores e governadores ladrões financiados pelos empresários que adulteram seus produtos avalizados pelo banqueiro que saqueia a todos próximos ao policial corrupto que não aparece no jornal viciado que também não destaca em manchetes o miserável salário do trabalhador e não noticia a criança abandonada nem no desvio do dinheiro público da merenda escolar muito menos a morte do Zé no corredor do hospital por uma bala perdida que veio da favela inundada de barrigas vazias. Quem sabe...
Sibar Machado-2005

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