sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

NARRATIVAS DE VIVÊNCIAS COTIDIANAS NA INFÂNCIA EM JACOBINA: BANHO NO RIO ITAPICURU-MIRIM - Por Claudina Santos*


Jacobina, cenário de beleza e elegância. Por atrevimento e delírio literário, me ouso a dizer, que é fêmea, suas curvas demostram a delicadeza da alma feminina, emponderada pelos efeitos naturais da sua bela paisagem, nordestina, sertaneja, cangaceira, simples, forte e singular. Retratá-la é um desafio, porém relembro em recortes imaginativos que sombreiam as intuições palpitantes e saudosistas da terra que escolhi para aterrissar. Terra mãe, terra pai...soberana das regiões que povoa no polígono da seca.
A ponte do Rio Itapicuru-Mirim era um palco de múltiplas contemplações. Com as fortes chuvas torrenciais que alagavam as ruas e aumentavam de volume as águas do seu leito e do Rio do Ouro, assim, como também, as trovoadas nas tardes quentes de verão, o ar aquecido experimentávamos ondas de calor de tirar o fôlego. A natureza traduzia com demonstrações de cordialidade a sua prazerosa presença nesses dias de intensas chuvas. Um clima típico de nossa região, seco e brisas pouco circulares.
Os efeitos sonoros do ribombar posterior a um trovão, somente poderíamos escutar o eco de tal magnitude por conta da beleza natural dos morros esculpidos pelas mãos do arquiteto erosivo do tempo. Eram momentos de meditar, de rezar, orar em baixo do cobertor, e das gotas de chuvas que escapavam pelos minúsculos furos nas telhas desavisadas de que naquela tarde iria chover.
No céu nuvens pesadas e raios entrelaçavam-se temporariamente, agonizando-se nos últimos suspiros; ao anunciar um brilho intenso do relampejar seria como os holofotes cinematográficos, atentos a cada close do belo recanto geográfico, esplendor de natureza viva. Doravante Jacobina era um Presépio aos olhos dos que por ali passavam a deslumbrar todo aquele espetáculo. Descortinava-se em uma bela obra de arte natural, onde dos morros as inúmeras cachoeiras, ladrilhavam as ruas com pedras e bolhas de águas transparentes que escorriam o liquido ouro das nascentes ladeira a baixo.
Do alto da ponte, podíamos assistir a alguns de seus espetáculos, raros momentos proporcionados pelos saltos mortais dos moços atrevidos e corajosos, que se jogavam de mergulho a baixo nas águas barrentas do rio Itapicuru-Mirim resultantes das intensas chuvas que teimavam em cair.
Em meio aquele cenário espontâneo e irreverente, o arco-íris multicolorido dava-nos boas vindas com um sorriso largo de poeta, convidando mentes comuns a abrir sua veia poética, a confabular um papo filosófico, a transformar um recorte da realidade numa pintura, sei lá, a compor uma música ou mesmo, quiçá, tentar um som no violão desafinado, tudo isso para revelar um grito dos que pulsam a rebeldia. Não recordo de alguma garota que quisesse ser irradiada pela magia das cores, de metamorfosear o gênero feminino/masculino, encorajando-a a participar das aventuras dos jovens acrobatas, será que só eram coisas de menino?
Os espectadores curiosos ficavam horas a fio contemplando a paisagem, assim como, a ousadia dos garotos que não se cansavam de exibir-se com seus mirabolantes saltos acrobáticos. Impressionante, tal façanha. Despiam-se a alma em frações de segundo com um mergulho sem fim nas águas turvas, cheias de redemoinhos. Eles transcendentalmente pareciam exímios bailarinos, cuja dança pirotécnica de seus corpos ao saltarem no rio exibiam uma coreografia insólita, que convidava os bravos aventureiros a um forte abraço com aquela apresentação, ora fatal ou cheia de emoções únicas, jamais vividas, o que importava era a adrenalina do sangue jacobino que corria nas veias. Era assim, o Rio Itapicuru-Mirim e os seus amantes, quando se encontravam era um frenesi de arrepiar, ao pódio da gloria ou da desgraça. De braços estendido, os garotos lá se jogavam. O urubu do alto olhava manso e sorrateiro esperando a oportunidade de dar o seu voo rasante, a espera de mais um espectro humano ao seu banquete caniçal.
Era um olhar fotográfico sem máquina, que aguçava-me algumas inquietações, sabe Deus qual era... como bem diz meu amigo Paulo Magalhães, "Ninguém precisa de uma máquina para ser fotógrafo", é bem verdade que os primeiros registros se faz pelo olhar, e aí registra-se nos arquivos da memória para sempre. Pois é, fatos que não se apagam nas lembranças de meu ship mental, arquivados como herança de uma infância de menina inquieta, que pertencem tais eventos somente à minha vida e que agora revelo em palavras esses momentos únicos e insubstituíveis.
Exponho em narrativas literárias o cotidiano, lembranças pitorescas de uma infância interiorana ao atravessar a ponte do Rio Itapicuru-Mirim, divisor de águas e cenários de grupos identitário de pertencimento local, que traduz uma vida recheada na simplicidade.
Itapicuru-Mirim, a sua morte foi anunciada pelos tentáculos do capitalismo, que ainda te faz sangrar lentamente num suplício sem fim, agonizando-o sem ar, sem água e sem a natureza viva dos peixes que despertavam o brilho no olhar dos curiosos que por ali transitavam, com seus anzóis. Quando caio em pensamentos saudosistas vislumbro seu passado de vida, reascendendo a minha infância feliz, mas agora entregue à morte, vulnerável à insensatez humana, não por sua vontade e sim pelo descaso alheio, morro com você, sentindo-se envergonhada ao mesmo tempo impotente por nada fazer.
Itapicuru-Mirim, hoje ainda é um guerreiro-negro sem arco, sem flecha e sem cocá, seu curso não mais perene, os teus pulmões com pouco ainda respira e inspira! Itapicuru-Mirim conhecido como um Oásis do Sertão

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